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Mostrando postagens de outubro, 2020

rascunho 0001

A separação dos corpos: chegaram no quarto do escritor às oito, reviraram tudo por tudo, recolheram os livros mais ameaçadores; o homem de sobretudo que parecia ser ali dono da palavra, possivelmente o comissário, disse, mais lamentando que celebrando: menos um maoista; sem a teoria eles não são Nada. — Quanto tempo mesmo dura aquele filme? — Qual é mesmo, chefe? — Hum. Um francês. Um r. Bresson. — A! então dura para sempre...! ou uma hora e meia, que é a duração comum dos filmes dele, isso. — Mesmo… temos que nos apressar. O escritor estava no cinema; engolido pela projeção, sem saber que em casa suas joias estavam tendo destino excessivamente parecido. Ao que parece o escritor cogita rever o filme, ainda nessa noite, “é para ruminar bem”, mas tem essa ideia em conflito porque lembra de uma citação mais ou menos assim: o filme é como um fósforo, só queima uma vez. Enfim. Nem tudo depende do fogo: o fogo é superestimado, quem sabe, mas é derradeiro, isso ninguém discorda

pickpocket (1959)

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                                                                 O Batedor de Carteiras é um filme que pode ser classificado como integrante do segundo grupo das notas de Jean-Luc Godard (não é um filme político, mas sim um filme feito politicamente). A começar, nosso personagem, o batedor de carteiras, é ainda jovem, e desempregado; evita a mãe encamada, quem sabe por culpa, quem sabe por essa dificuldade de aceitar seu prospecto de órfão; sabemos que ele a ama, compreendemos seu olhar quando a visita, sério, conciso e, alguns segundos mais tarde: tentando dar esperanças de sobrevivência para a mãe desacreditada. E no velório, entendemos: as lágrimas que encharcam o rosto de Michel são lágrimas de sofrimentos acumulados. Michel vive num quarto mais que precário, pequeno, sem banheiro etc., sobrevive pelos roubos, daí: não consegue uma proximidade afetiva com ninguém que o rodeia, nem com Jacques, esse estranho amigo, nem Jeanne, que vive numa situação tão ruim quanto Michel, porém a

SIBERIA, justaposição

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  Nos primeiros minutos, há um corte de um clint de touca para um clint que serve rum, e que por ser um corte "brusco", por alguns segundos me fez pensar que eu estava diante de um filme sobre um homem-duplo, mas talvez o ponto seja outro. Interesses de Siberia me parecem similares com os explorados por Abel em Tommaso , porém ainda mais: fragmentados, inconscientes etc.; e, se em Roma Dafoe é crucificado, traído, distante, burguês; na Sibéria ele escuta um peixe balbuciar aramaico (você é o único responsável por seus atos, o fim está próximo!), em solitude bem menos abstrata e, naturalmente, apesar/por causa do black metal, mais fria.

curtas, palavras

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daybreak express (1953) ,       luz forte, laranja, trens e sol, nunca a matéria da câmera tanto amou a epiderme humana; glas (1958) ,       utopia, sopros: em nome do fogo e do jazz; vidro por fim; alone (1963) ,       solidão, pulsão erótica, solidão, recifes. em desamor quanto aos quartos catedráticos; france against the robots (2020) ,       vida longa: às carnes tristes marxistas; stellar (1993) ,       cor de silêncio, segundo paul auster. a terra escreve, enquanto o mundo desenha; go! go! go! (1964),        todas as cidades são inóspitas, sim. e continuamos, contra tudo e contra todos. o corpo é um lugar onde nada morre . também p. auster.

da linguagem sem imaginação, 3

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como em Hegel,    "o botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta"          pois: hilda hilst segue a mais belíssima.

da linguagem sem imaginação, 2

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  b:      Que glorioso tempo para ser livre. a:      Numa multidão de coisas, rua vazia, mas vale ressignificar a importância da companhia da amiga. Isso me acalma, isso me faz ter uma esperança na metódica contemplação das coisas. Isso me faz querer te conhecer mais, como amigo, isso me faz: te admirar. b:      Etc.; lembro-me que no cais, a palavra de ordem que subjugava todo o concreto envolvido, era a palavra ‘seguimos’. Despida das ironias, significava toda a expectativa. Nos envolvia de bruços: libertava nossas gargantas e tudo mais. Um segundo. Estava conferindo vernáculos outros. Mas bem, o sonho é o quarto de piaget, transbordado de livros, a realidade é um quadro do edwa… edward hopper! vazio – uma automat, mas por ser joinville, sem o sol da manhã. a:      O sonho é a coincidência dos fatores premeditados, a realidade é a voz de nina simone nos dizendo que toda cidade em verdade é inóspita. b:      Enquanto isso, meu amor, encaro a xícara de café. Pois é

da linguagem sem imaginação, 1

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  Sobre a criatura planificada que ali espera e ali mastiga pensamentos: as cartas não dão os preços. É claro que no que concerne o voyeurismo, tudo é belo, tudo é belíssimo, mas tudo também, à medida que os filmes acabam e começam, tudo é comuníssimo. Não é raro ver roupas íntimas sendo jogadas no meio da sessão, no ápice do escuro, para os altos, e depois, quando o desejo esfria, saciado quem sabe (apesar do notório desconforto das poltronas), vemos os corpos nus recolhendo sutiãs, com timidez: delineados pelo brilho da projeção: sombreados. Penso comigo: o verdadeiro “ cinéma du corps ”. No clarão do fim, quando me aproximo deste ser místico, que ali no pouco radioso canto esperou de pé com a companhia solitária dos cigarros, por vários graus do ponteiro, me deparo: com a greta garbo da crônica fria de c. drummond. Usando do tempo para apagar suas dúvidas.

REPULSA AO SEXO, ruídos

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  notas descosturadas: carol, voyeur de si mesma, "carol please" planos com as freiras borboleteando: a analogia janela é acessório indispensável do casulo-apartamento. (fonte de extensão, procura, desejo... etc.) todos os homens tem um q de repugnância, inclusive o diretor. quantidade cavalar de açúcar no café, extravagância cuja idade às vezes permite. gosto bastante dos planos de carol andando pela cidade, que me lembra joinville (triste) me considero sortudo por não nascer norte-americano e por consequência jamais precisar dizer, casualmente, 'supper'. a coisa principal de ouvir os gemidos da irmã pelas paredes finas não é o desconforto propriamente dos ruídos, mas a geração (ou tentativa de geração) das pulsões eróticas; daí: carol recalca-as (devido a um trauma, implícito no último plano), e tem sua realidade transbordada por tiques nervosos, alucinações cruas, ausência de lucidez etc. nada a dizer sobre o resto, o filme se diz. um interessante exercício formal,

VIDEODROME, notas, rascunho

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videodrome começa à maneira de marcas da violência , no sentido de que os primeiros personagens que aparecem em tela estão condenados – pela narrativa –, à morte. mas se o segundo, já nas cenas iniciais, é esteticizado por violência bruta, concreta: o primeiro é pelo erotismo, uma erótica em tensão, inclusive, mas que logo sucumbi: aos poucos funde-se com uma violência particular: depois, à violência concreta, que culmina no terror. se faço a comparação entre os dois filmes, é para tentar assimilar que enquanto marcas mantém um elemento de horror cujo fluxo é dominante e humano, videodrome fragmenta suas formas de persuasão, indo de um tipo de terror ao outro. e o ponto de partida é humano: o erotismo, o sexo, que não ocorre desacompanhado de um mal-estar deveras fatalista. na evolução da narrativa, o filme se abre para o sobrenatural, a metáfora, a fantasia… mas quando james wood é sugado pela tela de televisão, estamos em verdade diante do absurdo: não da metáfora. o que vemos

LACUNA (notas sobre um incômodo)

Subi pela escada rolante. Segundos de postura quieta. O canto d o meu ecrã ocupou-se com a imagem cinzenta, granulada, de ssa menina fumando um cigarro, sedenta coisíssima nenhuma, particularmente bela num mundo que a despertencia com compromisso, nos meus ouvidos a timidez d a metrópole, o silêncio transversal da noite vazia, lembro-me que essa cidade realmente pertence a nós. A p aris queima e, aqui, escrevo um obrigado no cadáver de nossos algozes; em francês, é claro . Que nos deviam isso o tempo todo. E xtravagâncias de perpétuo mal-estar, mas a idade permite, e a antítese inanimada: nunca mais. Esbarro no concreto da parede, continuo andando, a carne é triste, no pó daquela encosta .  Em frente, até as referências cessarem e a pele da minha mão ressecar. A vergonha nesses momentos é coisa estrangeira, adjetivada por palavras doidas; faz dançar, sem soprinhos. Afinal, o fogo dos poetas de castelo es tá com os dias contados. Ou é o oposto .  Ela agora longe das som

notas sobre o repertório, de michel butor

  Giovanbattista Tusa: “A coisa nasce difícil e obscura.”¹ Depois, em processo de maturação: a coisa obscurece-se ainda mais. O ponto de partida é a história da caverna de Platão. Desta vez, porém, conclusões são diferentes. A história se modifica. O cativo se liberta das correntes; por acaso encontra-se com a oportunidade, caso dê alguns passos em terra estrangeira, de enxergar uma nova realidade (um novo fragmento de mundo), no entanto, nada do que vê tem a unidade mínima de clareza; o sol ainda é o mesmo e talvez venha daí o incômodo, uma vez que o “mistério” do real se engrandece e, diante da novidade, nosso personagem chega à anábase da confusão. Às vezes, nosso personagem nem mesmo esteve preso, afinal, ocasionalmente basta apenas um sono curto para se desatualizar com o fluxo mundano de acontecimentos e portanto se atormentar com ansiedades.   Para Michel Butor, é através do romance que nosso personagem (essa sinédoque destituída de limites) pode encontrar a alternativa capaz