pickpocket (1959)



                        


O Batedor de Carteiras é um filme que pode ser classificado como integrante do segundo grupo das notas de Jean-Luc Godard (não é um filme político, mas sim um filme feito politicamente). A começar, nosso personagem, o batedor de carteiras, é ainda jovem, e desempregado; evita a mãe encamada, quem sabe por culpa, quem sabe por essa dificuldade de aceitar seu prospecto de órfão; sabemos que ele a ama, compreendemos seu olhar quando a visita, sério, conciso e, alguns segundos mais tarde: tentando dar esperanças de sobrevivência para a mãe desacreditada. E no velório, entendemos: as lágrimas que encharcam o rosto de Michel são lágrimas de sofrimentos acumulados.

Michel vive num quarto mais que precário, pequeno, sem banheiro etc., sobrevive pelos roubos, daí: não consegue uma proximidade afetiva com ninguém que o rodeia, nem com Jacques, esse estranho amigo, nem Jeanne, que vive numa situação tão ruim quanto Michel, porém a ela sobra conformismo; é o que a resta. Talvez a única aproximação afetiva que Michel consegue manter é com seus próprios roubos; a câmera e montagem de Bresson nos enche dessa percepção: nas cenas em que Michel realiza seu ofício, não é raro termos um plano com seu rosto centralizado, no meio de uma pequena multidão, uns leem o jornal, outros assistem a corrida de cavalos, enquanto Michel investe os dedos com destreza por dentro dos paletós ou bolsas em seu alcance, e, nestes momentos seus olhos parecem brilhar; a verdade é que roubar, para o personagem, é também fruto de prazer. Talvez não seja exagero adjetivar Michel como hedonista, uma vez que quando ganha algum dinheiro em sua viagem para Roma, Inglaterra etc., tudo perde com “mulheres e bebidas”. Penso, porém, que Michel possivelmente raciocina segundo alguma forma de niilismo decadente, já que vive uma vida tremendamente reprimida, repleta de silêncios, pobreza, seriedade; sabemos que é sua existência social que determina seu pensamento. Sonho de classe é o que o define.

Michel, anuviado, fala pouco, e se em certo momento da narrativa ele monologa, é com o propósito de explicar, para o inspetor da polícia que quer prendê-lo, sua teoria sobre o quão bem faria para a sociedade se alguns homens tivessem o direito de, ocasionalmente, quebrar a lei. Nós, espectadores, pensamos imediatamente em diálogo semelhante que ocorre em Crime e Castigo, a “teoria do homem extraordinário” de Raskolnikóv; também pensamos, um pouco menos imediatamente, no exato fim que leva o personagem russo. Vale dizer: Michel não se converte para Deus, pelo contrário: ele já acreditou uma vez neste Deus de Jeanne (o mesmo Deus de Sônia), mas isso só durou três minutos. Ainda assim, é alívio saber que ele tem Jeanne, independente das dificuldades impostas pelas grades de ferro.

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